13/03/11

05/10/09

Actualizações

Mais dois Livros no Bolso que desistiram de esperar pelos podcasts (ver posts abaixo) e uma nota para o Babelia, que esta semana vem repleto de boas leituras. Destaque para os artigos à volta de Ismaíl Kadaré, V.S. Naipaul, Mário Vargas Llosa e Roberto Bolaño.

O Dia Mastroianni
João Paulo Cuenca
Caminho, 2009


No passado Livros no Bolso trouxemos-lhe o mais novo romance de Chico Buarque. Esta semana mantemo-nos na literatura Brasileira e propomos-lhe João Paulo Cuenca, autor de quem Chico Buarque diz gostar particularmente, e que esteve recentemente em Portugal a lançar O Dia Mastroianni.


Conforme nos diz Cuenca no início do livro, é denominado “Mastroianni” o dia gasto em pândegas excursões a flanar na companhia de belas raparigas, à brisa das circunstâncias e alheio a qualquer casuística. Mas na realidade, o Dia Mastroianni não existe para lá da imaginação do escritor e do seu circulo íntimo de amigos. E existe neste livro, uma cruzada pós-moderna de dois amigos adolescentes pelo cosmopolitismo de uma cidade e das horas perdidas, e um retrato algo cruel de uma geração que teve o infortúnio de nascer, nas palavras do próprio Cuenca, “num mundo em que é muito mais difícil viver” .


Pedro Cassavas e Tomás Anselmo são os heróis desfeitos da história. Vestidos a rigor, os dois amigos deambulam por uma cidade dispersa, compram narcóticos numa banca de churros, frequentam restaurantes caros, jogam bingo, vão a festas para as quais não foram convidados e brindam a toda uma geração perdida de “dândis precoces, escritores sem livros, músicos sem discos, cineastas sem filmes (…) lordes sem um tostão nos bolsos, trocando os dias pela noite e as noites por coisa alguma!” (p. 22)


Considerações metafísicas sobre uma vida onde nada parece acontecer de verdade e onde toda a acção seria decorrente de um sonho distante, a espaços intercalado por diálogos meta-linguísticos a remeterem para o alter ego do próprio escritor, num gozo declarado à nova literatura brasileira e às pretensões dos jovens artistas.


São 24 horas aquelas em que acompanhamos Pedro Cassavas e Tomás Anselmo no Dia Mastroianni. Tempo suficiente para vir a sentir saudades da doce Maria e de Verónica, do famoso escritor de apelido quase impronunciável e das suas concubinas, de Dona Giulietta e do mordomo Johann ainda que fique o gostinho amargo de um desfecho em que história, personagens e leitores, todos desaparecemos – ou será que não? É ler o livro e descobrir meus senhores, é ler o livro e descobrir.

Livros no Bolso - XIV


Leite Derramado
Chico Buarque
Dom Quixote, 2009

Todos o conhecemos das suas canções. Os que atentavam nas letras dessas canções, conheciam já o seu lado poeta, mas só recentemente este herói das artes assumiu o papel de escritor. Chico Buarque, ícone máximo da música popular brasileira, músico, cantor, compositor, letrista e escritor, brinda-nos aos 65 anos com o seu quarto romance, “Leite Derramado”.


Tendo começado por escrever para o teatro, em 1974 Chico Buarque publica “Fazenda Modelo”, uma novela em forma de fábula sobre o Brasil no tempo da ditadura. “Estorvo”, de 1991, é tido como o seu primeiro romance, ao qual se seguem “Benjamin” (1995) e “Budapeste” (2003), que viria a marcar o seu êxito como romancista do lado de cá do atlântico (aliás, um romance excepcional, com presença obrigatória num próximo Livros no Bolso).


Sobre “Leite Derramado” já muito se ouviu dizer: que é o romance “mais inspirado” do autor; que é notório o paralelo com “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e “Dom Casmurro”, de Machado de Assis; que a ideia para o livro nasceu de “O Velho Francisco”, uma antiga canção de Chico Buarque. Independentemente de em alguns casos haver a concordância do autor, o que a nós verdadeiramente interessa é o lirismo que emana das pouco mais de 200 páginas do livro: começa-se a ler de mansinho e a páginas tantas já não se consegue largar.


O livro é todo ele um monólogo delirante feito das memórias de Eulálio, contadas a toda a sorte de ouvintes que, voluntária ou involuntariamente, com ele se cruzam no hospital onde está acamado. Eulálio é descendente dos Assumpção – Assumpção com ‘p’, que o contrário é nome de ralé e o centenário Eulálio é tetraneto de combatente português contra as tropas de Napoleão, trineto de ilustre frequentador da corte de D. João VI, bisneto de barão negreiro, neto de abolicionista e filho de senador. Mas se Eulálio não comete erros na história dos seus ascendentes familiares, já a sequência de acontecimentos que acompanha os descendentes é traída por uma memória difusa, onde as cronologias se misturam e as histórias de filhos, netos e bisnetos se confundem, talvez a fazer esquecer que é em si que a decadência começa. Primeiro com Matilde, a heroína ausente da história e o grande amor de Eulálio, que cedo o abandona deixando-lhe uma filha, passando depois pelas gerações seguintes e culminando no bisneto traficante de drogas; bisneto ou tetraneto, porque aqui já os parentescos se confundem: “Aquela que veio me ver, ninguém acredita, é minha filha. Ficou torta assim e destrambelhada por causa do filho. Ou neto, agora não sei direito se o rapaz era meu neto ou tataraneto ou o quê. Ao passo que o tempo futuro se estreita, as pessoas mais novas têm de se amontoar de qualquer jeito num canto da minha cabeça”.


Triste história, contada em tão doces palavras.

14/09/09

Lição

É esta:

“A crítica disse bem, a crítica disse mal, a crítica não se referiu, etc., etc. Tal é a linguagem quotidiana, não dos leitores inocentes, os melhores, ou que o podem ainda ser, mas dos que se crêem obrigados a seguir a vida literária através da mastigação alheia imaginando que os alimentará melhor do que a sua própria. Mal sabem que através dessa linguagem (…) abdicam, sem se darem conta, daquilo que faz a sua dignidade humana e é o juízo próprio diante da obra alheia”.
Eduardo Lourenço, O Canto do Signo

E nem a propósito, o que disse Dinis Machado sobre a Crónica dos Bons Malandros, de Mário Zambujal,

“Se isto não é literatura, quem perde é a literatura”,

rabiscado num papel tosco e retirado da entrevista de Hélder Beja a Mário Zambujal, publicada, se não estou em erro, no Ípsilon de 28 de Agosto.

12/09/09

O Regresso de Livros no Bolso

É já amanhã, algures entre as 15h e as 15h30, em 92.8 Fm.

Para a rentrée, um escritor brasileiro, homem das letras e da música. E mais não digo.

Procura-se “Directa”

As férias já lá vão há algum tempo, os planos de leitura cumpriram-se e acabo de trazer da minha livraria preferida os livros que, muito provavelmente, me acompanharão nos próximos dias:

- Love, Toni Morrison
- As Noites de Outubro, Gérard de Nerval
- Do fim do Mundo, Nuno Bragança (numa preciosa primeira edição de 1990, que vem agora ocupar o seu lugar ao lado de A Noite e o Riso e Square Tolstoi). Entretanto cá continuarei no encalço do Directa – dão-se alvíssaras a quem o encontrar!

24/08/09

Trama

Chegada ao sossego alentejano, num monte onde, além de árvores e animais voadores, pouco mais há que nos distraia, começo por actualizar leituras. Jornais, desta vez.

Vale a pena ler a peça de Ana Cristina Leonardo sobre a Catarina, livreira da Trama, no suplemento Actual do Jornal Expresso. Para quem gosta de livros, um lugar imperdível, mesmo ali à mão, na São Filipe Nery, ao Rato. Quanto à eficiência dos livreiros, é ir lá meus senhores, é ir lá!

O próximo

É este.

Na mala vão também

- Outras Cores, Orhan Pamuk

- Lillias Fraser, Hélia Correia

Férias, cá vou eu!

14/08/09

Presente

Pensava que ia almoçar com um amigo, mas afinal fui almoçar-com-um-amigo-que-me-deu-um-presente. Voltei tarde do almoço e ao trabalho ainda não voltei – agarrei no tempo tão mal empregue em obrigações laborais (sobretudo quando lá fora faz sol e as pessoas de bem sabem que é tempo de estar de férias) e entrei logo pelo primeiro capítulo adentro. Antes disso li:

“Inúmeros serão os teus trabalhos. Para que não enlouqueças, nós, deuses imortais, ofertamos-te a imaginação e o riso.”

E ri com alegria.

[O livro: O Eleito do Sol, Arménio Vieira, Vega, 1992]

13/08/09

Considerações pouco carinhosas sobre JRS e MST





Nunca li o José Rodrigues dos Santos (apenas alguns parágrafos soltos, nada mais), e do Miguel Sousa Tavares li apenas o Rio das Flores, mas sou peremptória quando digo que não gosto da sua escrita. Não digo que não cumpram uma função cultural importante ao trazerem mais pessoas para a leitura; desde que não haja erros graves de ortografia e construção frásica – e parece-me ser esse o caso – não acredito que venha mal ao mundo pela leitura dos seus livros, antes pelo contrário. Acontece, porém, que eu busco num escritor mais do que a capacidade de contar histórias (capacidade essa que, mesmo assim, seria bastante discutível em Rio das Flores). A mim interessa-me sobretudo uma escrita que me detenha e ofereça algo de novo, uma escrita capaz de subverter os cânones literários, sem no entanto os ignorar (virá daí o arrebatamento em que me deixa Bolaño, ou entre nós, a escrita de Nuno Bragança?). A história é importante, não nego, mas uma boa história é apenas uma ínfima parte daquilo que espero de um bom livro.
Ora vem isto a propósito do Conversas de Escritores (programa de JRS que anunciei aqui, há alguns dias atrás) transmitido ontem na RTP N, com entrevista a MST. Tendo já confessado a minha pouca simpatia por ambos enquanto escritores, não surpreenderá pois que o meu comentário ao programa seja assumidamente negativo. As razões são várias, a começar pela natureza das perguntas, maioritariamente de cariz pessoal (a insistência de JRS em indagar das aptidões sedutoras do seu entrevistado ou asseverar os seus hábitos subversivos ou o seu gosto pelo politicamente incorrecto irritou-me sobremaneira), passando pelo afagar final de ego, quando MST diz ser detestado pela crítica em Portugal e JRS, qual defensor do seu par, se sai com um “não será bem assim!”. Disse MST que os leitores gostam muito de si, mas a crítica não. Já lhe passou pela cabeça, caro Miguel, que os seus críticos também serão seus leitores? Leitores críticos, bem entendido.

12/08/09

Homenagem a Maria Teresa Horta


Maria Teresa Horta vai ser homenageada no IV Seminário Internacional Mulher e Literatura, a decorrer no Brasil (Natal), de 2 a 4 de Setembro.

Aqui fica um poema seu:


São tantos
os silêncios da fala

De sede
De saliva
De suor

Silêncios de silex
no corpo do silêncio

Silêncios de vento
de mar
e de torpor

De amor

Depois, há as jarras
com rosas de silêncio

Os gemidos
nas camas

As ancas
O sabor

O silêncio que posto
em cima do silêncio
usurpa do silêncio o seu magro labor.


Vozes e Olhares no Feminino,
Edições Afrontamento

Para quem gosta do livro-objecto


Uma edição comemorativa do aniversário da Penguin UK. Se não adivinhou de que livro se trata, descubra aqui.

05/08/09

Eis que alguém aparece em defesa do ponto de exclamação

Breve explicação para quem não acompanhou o assunto: nasceu recentemente na blogosfera um movimento a favor da abolição (ou lá o que lhe queiramos chamar) dos pontos de exclamação. Felizmente há vozes dissonantes a provar que a democracia também anda por estas bandas – para ler aqui.

04/08/09

“Conversa de Escritores” Estreia amanhã na RTP N

José Rodrigues dos Santos vai viajar ao encontro de 15 escritores. Günther Grass, Paul Theroux, José Saramago, Luís Sepúlveda, Philip Roth, entre outros, vão passar pelas “Conversas”, com início marcado para amanhã, às 23h30. O programa será inaugurado pelo escritor britânico Ian McEwan.

Podendo, lá estarei eu sentada frente ao ecrã.

Atlas das Representações Literárias

O Prosa Online, blog do caderno Prosa & Verso, noticia o lançamento do segundo volume da colecção Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras, com o objectivo de dar a conhecer ao leitor as regiões cuja identidade tenha sido presença marcante na obra de escritores brasileiros.

E por cá, para quando uma edição assente nos mesmos moldes?

28/07/09

Actualizações

Dado que os podcasts desta vez estão bastante atrasados, ficam apenas os textos das últimas edições do Livros no Bolso, que entretanto foi de férias, mas que espera voltar em Setembro. Os posts são os que antecedem este.

Livros no Bolso - XIII

Jerusalém
Gonçalo M. Tavares
Caminho, 2008


Diz José Saramago do autor que vos trago hoje, não ter o direito de escrever tão bem, sendo ainda tão novo. Diz Hélia Correia, do livro que escolhi, que as qualidades literárias se encontram aí elevadas à perfeição, numa escrita, como diz, de beleza sóbria. Digo eu, leitora pequenina, num universo tão grande, sentir ainda ao toque daquelas páginas a vertigem encantatória de uma leitura a fazer uso de todos os sentidos.

O autor: Gonçalo M. Tavares. O livro, pelo que tenho descoberto do autor, poderia ter sido qualquer um – é o Jerusalém, por mera casualidade.

Foi o sentido de obrigação que me levou a agarrar neste livrinho negro de estética bonita. Isso, mais do que a vontade de conhecer a obra de um autor que, de forma tão súbita, acabaria por ganhar a afeição incontestável da comunidade leitora. Mas eu não queria afeiçoar-me. Não com tantas leituras por concretizar, de um tempo muito anterior à própria existência de Tavares. Erro rotundo, sei-o agora.

Jerusalém é um livro sem lugar não obstante os muitos lugares simbólicos: o lugar do bem e do mal, da separação e do encontro, do conflito interior, do sofrimento e da loucura. A narrativa abre numa madrugada lúgubre. Ernest prepara-se para se atirar da janela do seu sótão enquanto Mylia, vítima de uma doença que não a deixará viver mais do que alguns meses, procura noutra ponta da cidade uma igreja que esteja aberta. Nessa mesma madrugada, Theodor Busbeck, médico investigador em declínio e ex-marido de Mylia, sai à procura de uma prostituta, uma espécie de compensação púbica pelos dias maus. Sem uma sequência ordenada cronologicamente, acabamos também por conhecer Kaas, filho deficiente de Mylia e Ernest, agora sob os cuidados daquele que pensa ser seu pai, Theodor Busbeck, ou o ex-combatente Hinnerk, atormentado pelo medo e pela sua dependência das armas, espécie de proxeneta da prostituta com quem Theodor se encontra, na madrugada em que todos saem à rua.
Uma história desconcertante, para ser lida com olhos que se demorem nas palavras, tanto quanto Gonçalo M. Tavares parece demorar-se numa escrita que se detém nas coisas, numa observação acutilante de um mundo interior ao próprio mundo.

Nem a propósito, na próxima sexta e sábado, dias 3 e 4 de Julho, a Culturgest recebe Jerusalém, ópera de câmara de Vasco Mendonça com libreto de Gonçalo M. Tavares.